Nesta
palestra discorrerei sobre o processo de desenvolvimento das Políticas Nacionais
voltadas para o que a Organização Mundial de Saúde (OMS) denomina como
Medicina Tradicional/Medicina Complementar Alternativa. Essas políticas nacionais
são: Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e Política Nacional de
Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS).
O Governo
Federal instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial para elaborar a
Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, em virtude das vantagens e
oportunidades que o país oferece para desenvolvimento do setor, tais como: a
grande biodiversidade; ampla diversidade cultural e social; o conhecimento tradicional
sobre o uso de plantas medicinais; tecnologia para validação do uso dessas
plantas; interesse institucional de desenvolvimento de programas e produtos, demonstrado
pela crescente demanda dos municípios brasileiros em implantar programas de
fitoterapia no SUS; crescimento do mercado de fitoterápicos, que atualmente está em
torno de 10 a 14% ao ano; possibilidade de contribuir na redução da dependência
de insumos importados utilizados na fabricação de medicamentos; e, finalmente,
o grande potencial dos fitoterápicos como importante fonte de inovação em saúde.
Outra vantagem para o desenvolvimento do setor no Brasil é o grande número de
estabelecimentos agropecuários de pequenos agricultores e de agricultura familiar
com potencial para produção de plantas medicinais.
Neste
contexto, os princípios que nortearam a elaboração da Política Nacional de Plantas
Medicinais e Fitoterápicos foram: ampliação das opções terapêuticas aos
usuários do SUS; maior inclusão social e desenvolvimento da cadeia produtiva como um
todo; articulação das ações entre os diversos Ministérios com competência na cadeia
produtiva; fortalecimento da indústria nacional na área de fitoterápicos; desenvolvimento
científico e tecnológico; redução da dependência tecnológica; enfrentamento
das desigualdades regionais e inclusão social; uso sustentável da biodiversidade;
valorização, valoração e preservação do conhecimento tradicional; e a interação
entre os setores público e privado.
A demanda
por uma Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos para o país
é antiga. Em 2001 o Ministério da Saúde, criou um Grupo de Trabalho que
elaborou uma proposta de Política Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos.
Essa
proposta foi validada em fórum nacional, contando com quatrocentos e sessenta participantes
de todos os setores envolvidos com a cadeia produtiva que, em função da
mudança de governo, não se consolidou, mas que se constituiu em um importante
instrumento para elaboração da nossa atual Política Nacional.
A
estratégia de elaboração da Política Nacional foi a criação, em fevereiro de 2005, de um
Grupo de Trabalho Interministerial coordenado pelo Ministério da Saúde com
participação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), Casa Civil da Presidência da República, Integração Nacional,
Indústria e Comércio, Desenvolvimento Agrário, Ciência e Tecnologia, Meio
Ambiente, Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Desenvolvimento Social e Combate à
Fome. Optou-se pela distribuição destas representações em quatro subgrupos
de trabalho nas seguintes áreas: regulamentação sanitária; cadeia produtiva e
desenvolvimento sustentável; pesquisa e desenvolvimento; e acesso às plantas medicinais
e fitoterápicos. O grupo da regulamentação sanitária ficou sob a
responsabilidade da Anvisa,
que discutiu todas as demandas de regulamentação ou necessidades de
adequação das já existentes. O grupo da cadeia produtiva e desenvolvimento sustentável
ficaram sob a responsabilidade dos Ministérios da Agricultura e do Meio
Ambiente; o grupo de pesquisa e desenvolvimento com o Ministério da Ciência e
Tecnologia; e o de acesso às plantas medicinais e fitoterápicos com Ministério da Saúde.
Cada grupo contou com a participação de representantes de todos os outros
Ministérios, além de especialistas. O trabalho desses subgrupos configurou-se em uma
construção coletiva. Os subsídios para a elaboração dessa proposta
de Política
Nacional foram as recomendações das Conferências Nacionais, dos Fóruns,
Reuniões Técnicas, além da consulta a legislação nacional e internacional.
O objetivo
geral da política é garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso
racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da
biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional.
É uma
Política ampla que trata de toda a cadeia produtiva de plantas medicinais e fitoterápicos. Entre as
diretrizes da Política pode-se citar: a regulamentação do cultivo, manejo sustentável,
produção, distribuição e uso de plantas medicinais e fitoterápicos; a promoção
da formação técnica e científica e a capacitação do setor de plantas medicinas;
o incentivo à formação e capacitação de recursos humanos; o fomento à pesquisa e
ao desenvolvimento tecnológico com base na biodiversidade brasileira, abrangendo
espécies nativas e exóticas adaptadas; a promoção da interação entre o setor
público e a iniciativa privada, universidades e centros de pesquisa; o apoio à implantação
de plataformas tecnológicas; a garantia e a promoção da segurança, da eficácia e
da qualidade no acesso a plantas medicinais e fitoterápicos; a promoção e o
reconhecimento das práticas populares de uso de plantas medicinais e remédios caseiros; a
promoção da adoção de boas práticas de cultivo e manipulação de plantas medicinais;
a promoção do uso sustentável da biodiversidade e a repartição de benefícios;
a promoção da inclusão da agricultura familiar nas cadeias produtivas; o estimulo à
produção de fitoterápicos em escala industrial; o estabelecimento de políticas
intersetoriais para desenvolvimento socioeconômico na área; o estabelecimento de
mecanismos de incentivo para a inserção da cadeia produtiva de fitoterápicos
no processo de fortalecimento da indústria farmacêutica nacional.
A Política
Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos foi aprovada por meio do
Decreto Presidencial nª 5.813, em 22 de junho de 2006. O Decreto aprovou a Política
Nacional e criou um Grupo de Trabalho Interministerial para elaboração do Programa
Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Nesta nova etapa foi inserido o
Ministério da Cultura, em virtude da interface de ações desenvolvidas por este
Ministério com a área de conhecimento tradicional, plantas medicinais e fitoterápicos.
Quanto à
Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS, as
Conferências Nacionais de Saúde desde 1998 vêm recomendando a introdução das plantas
medicinais, da fitoterapia, da homeopatia e outras práticas integrativas e
complementares dentro do Sistema Oficial de Saúde. É também uma recomendação da OMS,
desde a Declaração de Alma Ata, em 1978, que seus Estados-Membros elaborem
Políticas que promovam a aproximação entre os detentores de conhecimento tradicional
e a medicina sanitária ocidental moderna, para que os remédios e práticas
tradicionais possam ser validados e usados na atenção à saúde dos povos.
Esta
recomendação advém do fato de que grande parte da população dos países em desenvolvimento
utiliza plantas medicinais em suas diversas formas farmacêuticas para os
cuidados básicos da saúde. Em virtude
disto, outra importante Política Nacional aprovada em 2006, foi a de
Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS, atendendo às
recomendações da OMS.
Esta Política foi aprovada por meio da Portaria nª 971, de 03 de maio de
2006, e contempla as áreas de plantas medicinais e fitoterapia, homeopatia, medicina
tradicional chinesa/acupuntura, termalismo social/crenoterapia. Posteriormente, a Portaria
nª 1600, de julho de 2006, incluiu nessa Política a medicina antroposófica.
Esta
Política representa um grande avanço dentro do Sistema Único de Saúde por
permitir a ampliação das opções terapêuticas aos usuários, muitas delas já
implantadas em
municípios brasileiros. No caso da fitoterapia existem aproximadamente cento e
dezessseis municípios brasileiros que têm ações ou programas de fitoterapia,
alguns em fase de implantação e outros com ações implantadas aproximadamente há vinte
anos. Em alguns programas existem regulamentações estaduais para os
serviços de fitoterapia. A Política objetiva harmonizar essas ações que ocorrem de forma
diferenciada no SUS. Existem programas que usam apenas plantas in natura;
outros trabalham com medicamentos manipulados em farmácia ou oficina de
manipulação; outros, com medicamentos industrializados. Atualmente os programas seguem
regulamentações existentes, que não contemplam as peculiaridades para a
fitoterapia no SUS, como também para a homeopatia.
No âmbito
da PNPIC, a proposta para Plantas Medicinais e Fitoterapia visa ampliar as
opções terapêuticas dos usuários do SUS, com garantia de acesso às plantas
medicinais e fitoterápicos e serviços relacionados à fitoterapia, garantindo a segurança,
a eficácia e a qualidade na perspectiva da integralidade da atenção à saúde.
O processo
de construção dessa Política iniciou-se em 2003, com a criação de grupos de
trabalho compostos por representantes do governo e por várias Associações nacionais
envolvidas com o tema. O Grupo da Fitoterapia, coordenado pelo Departamento
de Assistência Farmacêutica (DAF/SCTIE), contou com representantes da
Secretaria de Atenção à Saúde (SAS/DAB, DAE), Secretaria Executiva,
Anvisa,
Fiocruz, Secretaria Estadual de Santa Catarina, “Programa Farmácia Viva” e organizações
da sociedade civil, como a Associação Brasileira de Fitoterapia em Serviços
Públicos (ASSOCIOFITO), Sociedade Brasileira de Fitomedicina (SOBRAFITO),
Rede Latino Americana de Plantas Medicinais (RELIPLAM) e o – Instituto
Brasileiro de Plantas Medicinais (IBPM), Após a elaboração do documento, a Política
Nacional foi pactuada na Comissão Intergestores Tripartite, aprovada no Conselho
Nacional de Saúde e finalmente publicada por meio de Portaria Ministerial.
As
diretrizes da Proposta para Plantas Medicinais e Fitoterapia, dentro da PNPIC, são:
elaboração da Relação Nacional de Plantas Medicinais e da Relação Nacional de
Fitoterápicos; provimento do acesso a plantas medicinais e fitoterápicos para os
usuários do SUS; formação e educação permanente dos profissionais de saúde em
plantas medicinais e fitoterapia; ampliação da participação popular e controle
social; incentivo à pesquisa e desenvolvimento de plantas medicinais e fitoterápicos,
priorizando a biodiversidade do país; promoção do uso racional de plantas
medicinais e dos fitoterápicos no SUS; acompanhamento e avaliação da inserção e
implementação das plantas medicinais e fitoterapia no SUS; garantia do monitoramento
da qualidade dos fitoterápicos pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária;
estabelecimento de política de financiamento para o desenvolvimento de ações.
A Relação
Nacional de Plantas Medicinais e a Relação Nacional de Fitoterápicos
irão orientar os gestores e os profissionais de saúde sobre quais as espécies a
serem utilizadas e como utilizá-las no Sistema. Para sua elaboração realizou-se
um levantamento em todos os municípios brasileiros (visando contemplar espécies de
todos os biomas) sobre quais espécies são utilizadas nos programas,
para qual fim são utilizadas, quais são os critérios de seleção para sua
inclusão na relação municipal e etc. A partir daí elaborou-se uma lista contendo
duzentas e oitenta e oito espécies de plantas para submissão aos critérios de inclusão/exclusão
na Relação Nacional. Realizou-se um levantamento das
pesquisas existentes no país com relação a essas espécies em banco de dados, monografias,
farmacopéias e internet. Concomitantemente realizou-se um levantamento
das principais enfermidades que podem ser tratadas com plantas medicinais
que são cobertas pela atenção básica. Por meio dos resultados obtidos neste
levantamento, elaborou-se uma lista em de acordo com os critérios pré-estabelecidos.
As Relações Nacionais serão acompanhadas de guias/monografias
que orientarão os profissionais e gestores de saúde.
Quanto ao
provimento do acesso a plantas medicinais e fitoterápicos aos usuários do SUS,
são quatro os produtos que podem ser disponibilizados: planta fresca,
planta seca, fitoterápico manipulado e fitoterápico industrializado.
A política
de financiamento do Ministério da Saúde para essa Política se baseia no
apoio à implantação de serviços no Sistema; apoio à pesquisa; apoio à produção de
fitoterápicos pelos laboratórios oficiais e capacitação dos profissionais de saúde.